O site G1.com entrevistou o diretor do Inpe Gilberto Câmara.
Apesar do enfoque principal ser a compra de um novo supercomputador,
temas como a contrução de um satélie brasileiro e o aquecimento
global também foram discutidos. Abaixo, alguns trechos da entrevista:
G1 - Com eventos climáticos extremos, monitorar e prever o tempo se torna cada vez mais importante. O Inpe está preparado essa exigência?
Gilberto Câmara - Estamos terminando de comprar um novo supercomputador. Vamos ter uma máquina de 16 teraflops [16 trilhões de operações matemáticas por segundo]. Deverá ser a maior máquina de previsão do tempo do mundo, e esperamos que até meados do ano ela já esteja funcionando.
Hoje temos um modelo de previsão do tempo com uma grade de 20 quilômetros. Isso significa que cada ponto onde é calculada a previsão fica a 20 quilômetros do mais próximo. Até o final do ano vamos passar para cinco quilômetros, e poderemos capturar eventos mais localizados. A gente conseguiria, em São Paulo, saber a diferença entre a chuva que vai cair Zona Leste e a que vai ocorrer no Centro.
Fizemos uma simulação para saber como teria sido a previsão dos eventos climáticos em Santa Catarina [que ocorreram em 2008] se nós já tivéssemos um supercomputador desses. A previsão teria sido bem mais apurada. Ela não foi ruim, mas não teve detalhes suficientes para antecipar a magnitude do evento.
G1 - E quanto a nova máquina vai custar?
Gilberto Câmara - Ao todo nós recebemos R$ 50 milhões do governo, em uma cooperação entre o Ministério da Ciência e da Tecnologia (MCT) e a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Isso inclui a máquina, que deverá custar entre 30 e 35 milhões, manutenção, pessoal e outros custos, já que um computador desses puxa 600 kVA de energia. Tem que ter uma central de ar condicionado e uma central elétrica só para manter essa máquina.
G1 - Em dezembro, a desativação do satélite Goes 10 mostrou que dependemos dos norte-americanos para monitorar o tempo a partir do espaço. O Brasil tem condições de ter os seus próprios satélites com essa função? Existem planos para isso?
Gilberto Câmara - O satélite Goes 10 tinha sido emprestado pelos EUA para a América Latina. Antes, ele ficava mais ou menos em cima de Quito, no Equador, para ver furacões no Golfo do México, e depois foi movido para cima do Brasil. Era um satélite de segunda mão, pois já tinha sido usado e foi substituído por outro. Eles vão emprestar mais um a partir de maio. Então estamos vivendo de satélite emprestado.
Em médio prazo, o Brasil precisa ter um satélite nessa posição para não depender dos norte-americanos. Temos uma relação excelente com a Nooa [órgão norte-americano que mede as condições do oceano e da atmosfera], mas o plano é ter um satélite geoestacionário nosso.
O Inpe já apresentou esse plano para a Agência Especial Brasileira [AEB], e agora é questão de dinheiro. Custa cerca de 800 milhões de reais. Eu acho que não é muito para o Brasil, que está comprando rafales a bilhões de reais, usando tecnologia dos outros. Esses R$ 800 milhões seriam para desenvolver com tecnologia nacional. Não nos interessaria comprar satélites prontos. Isso o Inpe não faz.
O Brasil é um país tropical onde o território tem uma enorme importância econômica, política, até quase afetiva com seu território. O Brasil precisa monitorar a Amazônia, o Cerrado, a costa, o oceano, o clima. Temos que melhorar sempre a capacidade de tomar conta do país. Estamos discutindo isso com a AEB e estamos otimistas.
G1 - No início de 2008 houve uma polêmica com o governo de Mato Grosso sobre o monitoramento da Amazônia, depois uma rusga com o Ministério de Minas e Energia por causa do apagão. Isso mostra que o trabalho do Inpe pode incomodar o poder público. Os cientistas têm conseguido trabalhar com liberdade dentro desse ambiente?
Gilberto Câmara - Se nós fizermos uma escala de liberdade de ação dos institutos do estado como o Inpe, IBGE e Embrapa, veremos que o Brasil está em um grau superior de maturidade em comparação com a China, Índia ou Rússia. Temos as melhores práticas públicas de transparência do mundo. O ponto de referência são os EUA, mas mesmo lá os cientistas da Nasa chegaram a ser censurados.
A partir do governo Lula, o Inpe consolidou a política de disseminação ampla de todos os seus dados. Uma política aberta facilita muito a apreensão da sociedade e reduz os riscos de manipulação. Eu já tive divergências com vários ministros, mas nunca me pediram para tirar alguma coisa da internet.
G1 - O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) está sofrendo uma crise, primeiro com o vazamento de mensagens trocadas entre cientistas, depois com a acusação de seu presidente faz assessoria para empresas. Muitas pessoas dizem que tudo isso é orquestrado. Qual sua opinião sobre esses casos?
Gilberto Câmara - O IPCC está com as verdades inconvenientes. Algumas dessas verdades são muito graves e têm um impacto enorme na sociedade atual e no futuro. É mais fácil desconstruir o IPCC do que enfrentar o fato de que é preciso mudar as práticas de uso de energia do mundo. É uma campanha orquestrada, do mesmo jeito que, nos anos 1960, os institutos de pesquisas associados aos grandes produtores de cigarro negavam insistentemente que havia risco à saúde ao fumar.
No caso daqueles e-mails [que vazaram], não há nada de anormal, de excepcional. São comentários que os cientistas fazem, às vezes por gozação. Além disso, os dados de evidências de mudanças climáticas não são só trabalhados por aquele grupo britânico. A quantidade de dados consistentes sobre aquecimento global são muito grandes, de muitas fontes independentes, de observação de muitos fenômenos, desde gelo do ártico, temperaturas observadas no Havaí, aumento do nível do mar, diminuição das geleiras, temperaturas mais quentes no verão europeu, aumento das chuvas e tempestades no Brasil.
Fonte: G1.com
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